Clair Obscur: Expedition 33, a fórmula ainda funciona
- Luunyn

- May 21
- 7 min read
Clair Obscur: Expedition 33 é o primeiro título da Sandfall Interactive, estúdio de desenvolvimento de jogos francês. Apresentando um jogo de batalha por turno com inovações consideráveis em mecânicas, o ponto alto são os incríveis personagens, história e narrativa proposta. Além disso, a pérola de maior destaque é a espetacular trilha sonora que habita entre as melhores de todos os tempos no universo dos jogos.
A obra propõe um dos modelos mais clássicos de jogos digitais que existe, a batalha por turnos. Obviamente que todo jogo moderno tenta, de alguma forma, modificar o clássico modelo da década de 80-90 com melhorias significativas que buscam apresentar novidades surpreendentes e engajadoras. A ideia da Sandfall interactive aqui é utilizar elementos do soulslike de forma diferenciada em seu modelo tradicional de batalha por turnos. O resultado é um combate um tanto dinâmico, onde a habilidade mecânica também é levada em conta para a resolução dos conflitos, o que o diferencia significativamente do modelo de estratégia puro tradicional. Clair Obscur não é realmente inovador neste modelo de agregar habilidade mecânica no combate, porém é o primeiro a utilizar o modelo mecânico de um soulslike em um jogo por turno. Dito isso, a classificação de soulslike para este jogo não parece justa, pois acaba reduzindo o gênero souls a uma “decoreba” de movimento dos inimigos, o que definitivamente não define todo o gênero criado por Miyazaki.
Clair Obscur: Expedition 33 ganha relevância e impacto não somente pela sua jogabilidade, mas por sua excelente narrativa, personagens, história e trilha sonora. O destaque está para os elementos basilares que foram trabalhados a nível de excelência que deixa o trabalho comum dos grandes AAA a anos luz de distância. A obra se preocupa com um dos pontos mais básicos de um jogo de campanha: contar uma boa história. A premissa do mundo é incrível e ela é bem trabalhada nos detalhes. Um mundo onde as pessoas morrem ao atingirem certa idade deve levantar diversos questionamentos e problemas únicos a esse cenário, como a escolha de se ter filhos ou não e como lidar com a quantidade crescente de crianças sem pais, já que eles desapareceram com a gommage. O ponto não é somente a premissa mas as consequências que este modelo traz e que precisam ser pensados e traduzidos na jogabilidade, isto faz parte da narrativa e da construção de mundo que é fantástica.
Outro exemplo desta excelente narrativa presente na construção do mundo, é o cuidado ao abordar as expedições anteriores. Isto pode ser percebido pelo cenário, onde os corpos dos expedicionários anteriores estão estirados aos montes ou mesmo pelos diários das expedições encontrados pelo mundo. Esta construção cria um senso de épico no que está sendo vivenciado, e ao ser acompanhada ao drama e apreensão sobre a possibilidade de conquista do objetivo final, acaba se tornando ainda mais complexa. Pensar que talvez não seja possível conseguir atingir o objetivo é algo recorrente aos jogadores, isso é ainda impulsionado pelas excelentes cinemáticas e frases de efeito, como: “Quando um cair, nós persistiremos” e “Por aqueles que virão”. Estes elementos aumentam a tensão recorrentemente, não deixando os jogadores esquecerem que a missão é praticamente impossível de ser atingida.

Obviamente que esta história não pode ser contada sem seus personagens, e como um bom jogo por turno, diversos personagens diferentes existem, até para criar diferenciações na jogabilidade. Clair Obscur apresenta uma gama de personagens muito bem construídos, possuindo determinadas características que regem sua personalidade, como o nervosismo e ansiedade de Maella, a insegurança e afabilidade de Gustava e a determinação e confiança de Lune, por exemplo. Os personagens são vivos com suas características e passados específicos que fazem os jogadores se aproximarem deles e se compadecerem com o drama individual e coletivo apresentado. Realizar esse feito parece simples e óbvio, porém os grandes estúdios pecam neste quesito recorrentemente, esta obra transforma o que deveria ser extraordinário em regra.
Dado o nível de mistério da história, era de se esperar um grande plot twist que mudasse completamente a percepção dos jogadores. No final do ato 2 este momento chega, e a verdade revelada é simplesmente fenomenal. Não que a ideia seja realmente original e que ninguém tenha pensado em algo parecido, mas a forma como ela é apresentada é realmente incrível. Não há brechas ou sinais que apontem a verdade por trás daquele mundo, há mistérios e casos não explicados, porém as informações fornecidas são mínimas o suficiente para não permitir que os jogadores desvendam o que há por trás do véu. Assim, o impacto da revelação do Plot é gigantesco, um dos maiores dos últimos tempos no que se refere a jogos de aventura.
Pensando na conclusão do jogo e seu desfecho final, há um ponto crucial na narrativa que dá ao jogador as rédeas do destino. A decisão final é de extrema importância e tem peso herculanos sobre qualquer um que tenha se engajado devidamente na história. Por um lado há Maella que deseja manter vivo aquele universo e seus integrantes, porém isto se resume a fugir da realidade nada agradável do mundo real, ao qual ela deve encarar, logo parece óbvio escolher o lado de Verso. Porém, é realmente justo acabar com este universo e todos que ali existem? E a vida de Lune, Gustave, Sophie, Sciel e seu esposo, Monoko e Esquie? E o filho de Sciel que agora pode realmente existir? Este mundo é falso até que ponto e para quem? Estes pensamentos invadem a mente do jogador ao pensar em escolher o lado de Verso que parece um tanto egoísta. Pensando nos pontos de Verso, ele é egoísta ao seu modo, ele não suporta mais viver anos e anos neste mundo falso sendo somente um sombra de uma pessoal real, sendo o resto que foi deixado e não possuindo existência própria. O Verso do quadro não é Verso filho de Aline e Renoir, e irmão de Alicia, ele possui existência própria, mas como não consegue exercê-la, sua decisão é parar de existir. Fora isso, há a parte de seu amor fraterno por Maella/Alicia que deseja a ela uma vida real, um vida ao qual ela possa lidar com o luto diretamente e mentir para si mesma neste neste mundo de fantasia onde ela comanda e possui um refúgio emocional. A decisão envolve muitas camadas e personagens, há um debate sobre realidade x ficção e sobre encarar problemas de frente ou criar um ambiente fictício de refúgio para lidar com os problemas. O fim das duas escolhas resume-se a dois pontos: O final da realidade, onde a real deve ser encarado de frente com todas as suas dificuldades e percalços e o final da ficção onde tudo torna-se perfeito, já que o que há de bom é escolhido e criado a bel prazer pela artífice. O final da ficção, que parece o menos agressivo, mostra uma Maella, não diferente de seu pai e mãe, uma verdadeira artífice que controla tudo que há no Quadro, inclusive as emoções e desejos de todos.

O debate sobre o final desta obra levanta diversas discussões profundas e que existem a tempos nas diferentes áreas do saber, como na filosofia, psicologia, etc. O ponto principal é que a Sandfall Interactive, consegue apresentar este cenário e colocar o jogador no meio da problemática como o agente que toma a decisão final. O aspecto psicológico teórico é vivenciado nesta prática artística de forma visceral, é contundente e emocionante por si só. Criar este ambiente, com este cenário e com esta problemática, só é possível com um excelente trabalho de nível técnico de todos os profissionais envolvidos, é simplesmente fantástico.
Alguns pontos de melhoria a serem citados em relação à jogabilidade gira em torno do mundo aberto e alguns elementos de acessibilidade. O mundo aberto, apesar de fornecer a devida liberdade aos jogadores para explorarem e descobrirem os segredos ao redor de Lumiere, atrapalha em algum grau a experiência da missão principal na medida que não limita o jogador ao quão forte ele pode ficar. O que acaba tornando algumas partes do jogo extremamente fáceis, pois os jogadores simplesmente estão níveis muito acima do recomendado para aquela parte do jogo. Isto se agrava ainda mais no chefe final. Duas possíveis soluções para isso seria: um aviso de nível recomendado para as missões, assim os jogadores teriam noção se estão fortes demais para aquele desafio ou não. A outra opção seria nivelar o nível dos monstros da missão principal de acordo com o nível médio dos personagens, tornando assim sempre um desafio a missão principal, independente de quanto o jogador esteja forte. Outro ponto de melhoria seria a possibilidade de ativar efeitos visuais para o momento de desviar e aparar, já que atualmente para realizar estas ações com maestria a maioria dos jogadores utiliza o som dos ataques para se guiar. Porém, um deficiente auditivo teria uma dificuldade tremenda para se acostumar com os padrões de ataque. A solução mais simples são efeitos visuais para os ataques dos inimigos, que também funcionam como facilitadores para alguns jogadores que não desejam alterar o nível de dificuldade.
No que diz respeito a trilha sonora, a preocupação é na criação de algo que seja marcante e único em sua própria construção, com isso a Sandfall Interactive utiliza-se das raízes de seu país de origem, a França. Utilizando a música clássica francesa, a ideia é construir uma atmosfera compatível com todos os elementos visuais da ambientação que busca a essência de uma França “Vitoriana”, algo próximo a uma frança no final do século XIX. Inclusive a estética adotada aproxima ainda mais os jogadores do estúdio em si, já que ela leva a história e cultura francesa para todos os jogadores que vierem a experimentar a obra. Jogar Clair Obscur em francês é uma experiência por si só espetacular, o idioma praticamente se faz necessário para a devida imersão na obra.
Concluindo, Clair Obscur: Expedition 33 é uma obra excelente que traz novidades suficientes para ser interessante no quesito de jogabilidade, ao tempo que conquista os jogadores pela excelente execução dos elementos basilares de um jogo de campanha/aventura. O ponto é que o jogo não reinventa modelos ou propostas, ele apenas executa a “planilha” de maneira espetacular. Vale ressaltar que isto não é de forma alguma uma tentativa de menosprezar o trabalho da Sandfall Interactive, pelo contrário, é uma crítica aos grandes estúdios que não conseguem criar elementos de narrativa, trilha sonora, personagens bons o suficiente para criar uma obra memorável. Clair Obscur: Expedition 33 é a prova de que o modelo tradicional ainda funciona, ele só precisa ter cuidado, carinho e algo importantíssimo em mente: os trabalhadores estão fazendo “arte”. Reduzir o processo do fazer artístico a fabricação de um produto não atende as peculiaridades deste processo que exige tempo, amor e liberdade, elementos estes que os estúdios AAA parecem ter perdido de vista à tempo. Clari Obscur: Expedition 33 é incrível por que é antes de produto, uma obra de arte, como deveria ser. O jogo é um ode às raízes do universo dos jogos, sendo que estas estão estampadas em panfletos de “Procurado”, espalhados pelos quatro cantos do mundo.



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